domingo, 22 de junho de 2008


"O pensamento simbolico nao eh uma area exclusiva da crianca, do poeta ou do desequilibrado: ela eh consubstancial ao ser humano, precede a linguagem e a razao discursiva"
(Mircea Eliade, Imagens e Simbolos, p.8)

Em delirio febril, o corpo sonolento esparramado na cama, avistei refletido em sonho o estado claustrofobico de minha condicao enferma. Realidade em sonho a exprimir a pulsao mais significativa de sentidos submersos. Prisao voluntaria onde confinei as minhas energias e expectativas a fim de trabalha-las em silencio. Longe do mundo, no fim de tudo que me eh conhecido. Esvoaco desfeita no po do anonimato ao quebranto da passada do vento a soprar-me os pes. Nao eh de pasmar-se que o barro se rompa e se perca 'a acao seca do tempo. Ainda assim, eh viva demais a memoria umida do ventre materno a modelar-me criatura da terra. Hoje, nao ha chuva que me escorra, lagrima que me lave. Enrijeci os anos de minha formacao sob a forma de mulher e o coracao mantive cativo no berco oceanico de toda a criacao humana. Embora o po da jornada me venha enrugar as raizes do rosto, nao me abate a pedra impenetravel do peito. Ainda que eu precise repousar, ele pulsa. Ainda que nao se faca cancao de minhas maos, ressoa a melodia da alma. Eu, presa no cubiculo de mim mesma, com meus pensamentos ordinarios e mediocres so encontro saida na janela dos olhos de onde avisto uma arvore soberana, superior. A mae de todas as maes, o centro de todos os circulos, a fortaleza primordial de todas as forcas e a beleza do proprio Belo. Mito sonhado meu, vem atraves de uma visao onirica restituir-me a sanidade de estar salva e segura sob minha propria pele. Camada fragil de que faco o casulo de mim e, ao mesmo tempo, 'a rebelia desse sistema invencivel de protecao, resta uma janela. A abertura unica por onde o mundo me invade. O trincar da barragem que nao da conta de conter a tormenta do mar. Eu apenas olho e observo aterrorizada o poder da grande mae. Arvore novamente. Nao vejo sua copa ou suas raizes, mas o olho de seu caule robusto e espesso. O seu olho me diz do sofrimento da humanidade e eu covarde no cubiculo de minha pele tenho o impeto de fugir. Tolice de um sonho penetrante do qual se quer despertar e, simultaneamente, permanecer hipnotizado. A dor dela era a minha dor. Amargura compartilhada nossa. Compaixao que eh o senso de ancestralidade de sem mais nem menos tornar-se um. De minhas veias, as raizes; de meu sangue, a seiva; dos pensamentos, as folhas; dos sentidos, os frutos; dos sonhos, uma guirlanda de flores. Tormento vivido, o chacoalhar daquela arvore sagrada num prenuncio de morte. Como podia? Justo ela, ser abatida por qualquer que fosse a adversidade do tempo ou a crueldade humana. Aos meus olhos, invencivel, era inquestionavel que fosse eterna. No entanto, o som dissipado de suas fibras rolicas se rompendo confirmou a queda tragica da mae terra. Ao de cair de seu corpo-monstro, afugentei-me encolhida temendo que ela me abatesse dentro do cubiculo onde me restava sobreviver. Um ultimo gesto de sua magnitude, ela ensinou-me a grandeza da confianca. Eh certo que tombara dos pes 'a cabeca e que me poderia ter esmagado, mas restamos intactos, eu e o meu casulo. Morta, rente ao chao de onde sua trajetoria de vida recomecaria mais uma vez.

Nenhum comentário: