segunda-feira, 19 de novembro de 2007

E coração tem janela, tem porta para se dizer fechado?


Que coração era esse o seu
colorido de tanta canção
Assobiando vôo leve de gaivota
à beira-mar em tom alto de oração

Vem do mar ou vem do peito?
a batida do canto
a toada do rebento

A marítma aventura
Dos olhos de aurora
a transbordar horizontes
num esgotamento oceânico
para além das águas,
para um universo distante

Ao léu, ao bel-prazer das asas
sem ventos ou sentidos que lhe soprem
o velejar das palavras

Vou-me onde a vida se faz paz
e o azul não permite vão
entre as cores do céu e o brilho da terra

Mas o que faz dela casa de veraneio,
calçada de areia
pés de passeio?

Quando extenuada a tênue tensão do peito
ainda me alcançam
os pensamentos em devaneio?

Tanto me desloquei sem respostas
Movida à força das perguntas
Que hoje credito sonhos ao acaso
E os entrego à deriva das apostas

Tão abstrato o mundo por onde me vou
caminho esse sem pavimento
e meu coração sem cabimento

Que coração é esse, meu Deus, então?
Aquietado no aconchego do tempo
E arrebatado em pleno vôo,
sem porto, sem chão?

Paciente ao quebranto da noite
Vigilante no repouso das horas
atento e sem insônia
Passionalmente quieto
sem pranto, sem cerimônia

Anúncio trovão na janela tremule,
Assédio de tempestade
Apelo que acende o amor,
e não chove a consolar anseios

Refúgio de casulo
de cobertas e cobertores,
telas, tintas e cores,
de estórias de mil amores

Na fortaleza de resistir
a fraqueza de fugir

No calejamento da espera
para além da primavera
um céu florido de borboletas
novamente a revoar saudades

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Concrete Jungle

"No chains around my feet but I'm not free
I know I am bound here in captivity
Now, where is this love to be found?"

(B. Marley)

Recriá-lo fera na ferida de mim. De suas garras, vergões, arranha-céus arranhados na alma. Vim parar no oposto ponto de um estranho movimento de libertação da armadilha de lembrá-lo e recriá-lo. Dou um nó e resvalo no reverso masculino arquetipicamente animal e eternamente humano em mim. A neblina do inverno de agora é pura lembrança fria de ter vivido tão perto estando tão longe. Contudo, sob a óptica da sábia engenhosidade de aprender a ser homem, ele, e eu de aprender a ser mulher, somos um só. Então, distância não serve de medida para nossos corações. Sentimento sedento e ainda tão farto. Oras a escassez das savanas, oras a abundância das matas densas. Cada qual em sua natureza, pertencentes à trivialidade da espécie e ao mesmo tempo extintos em nossa forma de amar. Espelho que somos, ainda vivemos na imaginação um do outro. As patas felinas, o andar pacato e certeiro, os olhos selvagens e toda a nossa linguagem de urros e absurdos a desferir a solidão côncava-convexa dos amantes que não somos. Encaixe tão pouco encaixe senão fluidez de almas que não temos. Um sonho sem vida é um amor que não se torna. Torna-se o quê, se nem ser ele é? Se o fosse, o complemento seria fácil. E eu não precisaria inventar predicados prestando contas à convenção das palavras. Sentido nenhum quando falar de amor é trabalhar hipóteses. Um amor que se tornaria o quê, se existisse? O quê nos tornaríamos se o sentíssemos e nos amássemos? Refugiada na caverna do concreto, procuro esquecer o complemento do verbo e buscar o complemento de mim. Tentei substituí-lo por outro, mas não fui longe e caí na mesma encruzilhada. O que fazer com tanta investigação se o sujeito eu não posso trocar? A farejar uma resposta, sigo o rastro da passada dele onde meu passado se perdeu e eu não posso seguir sendo. Tornam-se, volto. É isso. Creio sem razão humana que o fato de tornarem-se me basta. Ele que só pode existir através de minha condução. Logo, morreremos juntos no decair de minha confiança e certeza. Sem lamúrias, lamentos ou tristeza, mas para a paz definitiva dos verbos sem complemento, dos sentimentos sedentos, das rotas tantas a cada giro dessa roda. Ao menos não me enganam mais as pegadas de tantas estradas trilhadas. E de olhos fechados também "escuto o que toco no silêncio de tudo."