terça-feira, 13 de março de 2007

lembrança doce amiga


leva água

carrega

escorrega


enxágua

encha d'água

encharca


o que de mim

não se aguenta

e rebenta


seca molhando

em lamento de lágrima

esse sal cristalizado

em pedra no peito


rocha sem rachadura

vem cachoeira

vou eu debaixo da queda

sem quedar-me


quebradeira d'água

bate bate até que...lapida!

lápide divina

levanto-me

sigo em frente

mais forte

mais viva!


(para Tata)

Être et Avoir




Recolho desejos e anseios para ver-te dormir

Um homem, repito, um homem nada mais

E és tanto


À janela, reviro o céu de estrelas

em busca da cadência que te faça saber

quem és


A Lua me vem mostrar

impenetráveis passagens para a luz

que vai e vem num esconder-se por detrás

de sonhos e nuvens


Anunciação abençoada de um novo alvorecer!


Enquanto isso, é doce o teu sonhar

Será que tem peso o teu corpo agora?

Ou será que flutua conforme teu respirar?


Pergunto aos Deuses quais desafios a transmutar

para a chave de teu universo onírico desvendar


Desvelo teu enlevo

Por entre paragens

Per-ambulo veredas vastas

Por entre ruas e alamedas

com o pulsar descalço

do passo de meu coração


Se soubesses da despretensão feliz de ver-te dormir,

jamais acordarias

Dormirias a eternidade

E o mundo todo viria assistir tua paz

Restando séculos dormente

Contaminado pela tua beleza


Rebeldia, Caeiro querido, que nada

Faço da poesia minha mísera valia


Mal dos versos

Cambaleio em embalo

de balaio solto e torto


Irregular que sou

nada entendo

que seja certo

que seja reto


Tenho sede dos olhos da terra

Da alma do Universo

Do corpo do mundo


Se nada posso ser

E o Amor me faz sofrer

Junto a trouxa

(eu mesma) trouxa frouxa

e vou tirar da Morte

a Vida que me resta


esgota

gota a gota

dessa meta


Arca perdida, minh'alma

Nau naufragada

Nuvem enluarada


Vasculho entulhos

de sonhos e barulhos

A lança enfiada na garganta

As mãos atadas

A Morte-dança

A Vida canta


Do viéis dos olhos de meu algoz

o soslaio da voz

sussurro um arrepio

meu último suspiro:

amor, estou viva!!!


Arrasto o rastro de farrapos

Vou ao rio aos frangalhos

E contemplo o reflexo do rosto roto

Rugas e verrugas


Velha minh'alma,

casa de barro

cachoeira de rama

enxurrada de lama


Vulcânico leito

onde me deito

descanso, desfaço

e refaço o passo

pegada a pegada

pedaço a pedaço


cada traço

desta trajetória

incerta.

Não há prisão

Nem compaixão

Nem dó, amor,

Nem piedade,

Nem perdão


Preciso matá-lo

em meu coração

num golpe sótiro certo

sem delongas

sem demoras

sem oras

nem bolas


Preciso apagá-lo

de meus sonhos

num clarão

explosão cega

sem tropeço

sem soluço

sem pecado

nem aflição


Preciso tirá-lo

de minha vida

num arremesso

ao precipício

sem corda

sem escada

sem choro

nem vela


Preciso arrancá-lo

do solo do peito

com facão

com enxada

destreza

e sem parada


Preciso quebrá-lo

ao chão

depois soprá-lo

em pó de grãos

sem norte

sem ponte

sem sorte

nem horizonte


Preciso perdê-lo

na estrada da vida

num labirinto

sem saída

sem pegada

sem poeira

nem migalha


Preciso negá-lo em mim

morte, rapto

sumiço, estilhaço



Para vê-lo renascer

vivo, lúcido, presente

forte, íntegro, consciente


Assim, repetidamente

irei amá-lo

em eterna construção

destruição, ilusão,

desilusão...


Um amor espiralado

tão humano

tão imperfeito