sábado, 30 de junho de 2007

Reminiscências Claricianas


Desta vez, ela não entendeu. Sabia que no fundo estava bem, recuperando-se. Lutava para não usar palavras que pudessem fazer qualquer referência a patologias ou doenças, mas quando não encontrava precisa a pedra verbal de seu pensamento antes que o vento soprasse de vez todas as rochas, ia a primeira que lhe viesse. Depois relutava. Em uma de suas batalhas, o calor do quarto e ela nele submersa em denso pensar de repente se viu detida em sublime deslumbre de libertação. Bateu-lhe a vontade e saiu. Deu-se o prazer de caminhar só. Em espécie de exílio sem rumo, sentiu o peso quase nulo do conforto de não sentir nada. E quem será sábio o bastante para medir as sensações? hmm de qualquer forma, o aroma da comida feita com alegria e especialmente a saciedade da fome bem servida trouxeram-lhe naquela noite um outro entendimento da vida. Veio de seu corpo a compreensão da plenitude roubada, avacalhada e pobremente subordinada à mísera paz que ela tanto buscava. Precisou afastar-se da velha vida, dos velhos costumeiros, às vezes bons, às vezes maus, companheiros modos da antiga prisão para criar uma outra com cara de nova. O verniz necessário da distância quando em pensamento a realidade rotineira da velha história ainda vinha lhe bater à porta. Uma real visão tão lúcida e certa, decidida a permanecer, expandir-se e servir-se da existência daquela mulher. Então, cada parte de seu corpo e de sua alma, que dirá, seria tomada por essa estranha fome de permanecer igual. Fincadas as raízes no passado, não demoraria quedar-se nos mesmos erros, enganos dolorosos de amores perdidos e desesperos. Quanto sortilégio, quanta culpa. Ela não saberia romper barreiras senão as geográficas. No entanto, sua frustração tamanha cada vez que olhava-se no espelho ou mirava as próprias mãos atentamente estupefata com a inevitável ação do tempo em si mesma. Diante da mulher de outrora, esta a desbravar em sua certeza tão cega os sinuosos caminhos de seu futuro. Nada concreto, a vida dela não seria contada através de fatos, mas possivelmente da história dos sentimentos. Era mulher vivida, quebrada e recomposta por tantas investidas no amor, na carreira e na tentativa de marcantes temperos. Agora, ou de uns tempos pra cá, dava de queixar-se por entre cantos. Quando não tinha problemas, inventava-os. Contudo, não era lá muito fértil na criação deles e invariavelmente terminava na mesma ladainha de se dizer cansada. Ela sabia muito bem que sua vontade de viver era mais forte do que o urro do leão faminto e o desvio da mentira para si mesma era, na verdade, parte de um mecanismo e investigação de seu limite. Raras vezes sofria o esgotamento total domingueiro quixotescamente embrenhado em fronhas de sonhos e devaneios sem hora para levantar-se. A escolha dessas horas era feita com o mesmo desvelo e devoção que ela empregava no preparo do jantar. Era assim o banquete das horas que ela ofertava aos amigos. A atemporalidade dos momentos de preguiça e prosa trazia-lhe toda a dimensão do prazer imensurável das amizades. Por outro lado, ela exercitava o recolhimento da energia necessária para dar continuidade ao seu projeto de vida. Era essencial a essas alturas respeitar isso. Respeitar-se e retirar-se. Em meio à pulsão dos contrastes, ela aprendia a entender o ciclo dos momentos de ninho e de vôo. Tudo viria mais e mais fortemente. Como ondas sugadas pelo suspiro da respiração do mar que no mínimo relaxamento vêm desaguar toda a potência do peito oceânico. Águas de azul profundo que ela não consegue explicar. Ao sul onde ela direciona agora a ponta da agulha dos olhos, sua casa, sua família. Seu choro também é invenção sua. Poderia conter-se sem explodir depois ou desaguar sem jamais esvaziar-se. Ela deixava que rolassem quando viessem. Era tarde demais para indispor-se com o tempo de cada passagem da vida. Ela levara 27 anos para aliar-se à paciência do tempo e agora, como nunca antes, ele lhe era benevolente sem assim deixar de ser ele mesmo. Tempo. Outra perspectiva da saciedade que nela ainda fazia rugir a discrepância de se sentir incompleta. Cheias de cores as flores a assistiam passar para tomarem dela a leveza do desabrochar. Era primavera em seu exílio, ela não tinha fome, nem sede e se tivesse ao menos teria uma desculpa para desviar-se do desafio central de se descobrir. Encontro esse inadiável. O céu aberto, o clima ameno, a corredeira da vida fluindo e um sonho solar a reger a órbita de cada segundo. Ela, sem saber porquê, sabia que era necessário sair e caminhar. Algo faltava em sua vida, ela não sabia o quê. O cansaço não servia mais de justificativa para a nova mulher. E ela sabia também o quanto era importante respeitar isso.

Um comentário:

Tiago Arruda Sanchez disse...

Parabéns PArabéns PArabéns!!!
Parabens Parabéns PArabéns!!!

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Beijao e votos de Muitas Felicidades hoje e sempre!
Fica com Deus